A Lei Federal nº 14.309/2022 alterou o Código Civil, no capítulo que trata dos condomínios edilícios, com a introdução de normas que regulamentam a convocação e funcionamento das assembleias condominiais virtuais e assembleias permanentes , colocando fim às dúvidas sobre a legalidade das assembleias virtuais realizadas após o dia 30 de outubro de 2020, quando terminou a vigência da Lei nº 14.010/2020 (que criou o RJET – Regime Jurídico Emergencial e Transitório no período da pandemia de Covid-19).
Vamos tratar das alterações em dois textos. Neste primeiro, comentaremos sobre as assembleias virtuais, no próximo, sobre as assembleias permanentes.
A nova lei introduziu o novo artigo 1354-A ao Código Civil, autorizando a convocação, realização e deliberação de assembleias gerais ordinárias ou extraordinárias em suporte eletrônico, as chamadas assembleias virtuais, desde que não esteja vedada na convenção de condomínio, e sejam preservados aos condôminos os direitos de voz, de debate e de voto (incisos I e II).
As assembleias gerais virtuais devem observar o mesmo rito das assembleias presenciais, principalmente quanto ao direito de voz e de debate. Muda-se o meio, mas a essência é a mesma. Afinal, assembleia geral, é uma reunião de pessoas que têm algum interesse comum, com a finalidade de discutir e deliberar sobre temas determinados. Ou seja, assembleia virtual não é enquete.
Direito de voz é o de expressar opinião, de ser ouvido, sobre o tema em deliberação, durante a assembleia. Já o debate é a possibilidade de defender uma opinião, uma posição, a respeito do assunto em pauta. Para serem plenos e efetivos, ambos ocorrer antes do início da votação, principalmente quando o sistema eletrônico adotado não permite a alteração do voto dado.
Desde o início da pandemia, são comuns assembleias virtuais nas quais se permite aos condôminos votarem a ordem do dia antes mesmo da instauração da assembleia (há quem defensa que a assembleia se inicial com o ato de convocação), sem que seja assegurado aos presentes o direito a voz e ao debate. A nova lei deixa claro que a votação só pode ocorrer após os debates sobre o tema a ser deliberado, o que é um avanço, pois assegura-se a essência de uma assembleia.
Sobre o tempo de votação, e a possibilidade de estender a votação por dias, falaremos no próximo artigo, sobre as assembleias permanentes.
Ainda sobre assembleias virtuais, o parágrafo 1° do novo artigo 1354-A prevê que o edital de convocação deverá informar que a assembleia será realizada por meio eletrônico, as instruções sobre acesso, manifestação (direito de voz e ao debate, novamente) e forma de coleta de votos dos condôminos. Esses cuidados já vinham sendo tomados pela maior parte dos condomínios, de forma que a lei apenas regulou a prática do dia a dia, algo digno de elogios. As assembleias também poderão ocorrer em formato híbrido, com presenças física e virtual simultâneas, desde que previsto expressamente no edital de convocação (parágrafo 4°).
Outro tema esclarecido pelo legislador é a responsabilização da administração do condomínio por problemas decorrentes dos equipamentos de informática ou de conexão à internet dos condôminos ou de seus representantes. No início da pandemia, houve muitas dúvidas sobre a responsabilização dos administradores condominiais por problemas de conexão ou falhas de equipamentos, principalmente se, por azar, a falha ocorrer durante uma fala ou votação desfavoráveis ao síndico. Essas dúvidas, além da legalidade ou não de assembleias virtuais, fizeram com que muitos condomínios adiassem ao máximo suas assembleias no já distante ano de 2020. O parágrafo 2° afasta a responsabilização da administração do condomínio nestes casos, mas há uma condição: desde que a situação não esteja sob seu controle.
Cabe um parêntese: “administração condominial” pode ser interpretada de maneira ampla: síndico, conselheiros, administradora e responsáveis pelo sistema.
Tem sido comum que as atas de assembleias virtuais ou híbridas sejam lavradas em formato físico, em que não é possível saber com segurança se a ata foi lavrada após a totalização dos votos e o encerramento da sessão. O parágrafo 3°, deixa claro que a ata só poderá ser lavrada após a somatória de todos os votos. E, o mais importante: se a assembleia for eletrônica (virtual ou híbrida), e a ata deve ser eletrônica. Muito além de um aspecto meramente formal, é possível aferir com segurança e precisão o exato momento em que ata foi lavrada e assinada, conferindo maior segurança jurídica ao documento.
Já o parágrafo 5° permite a aprovação de normas complementares, relativas às assembleias virtuais e híbridas, previstas no regimento interno por maioria simples dos presentes, em assembleia convocada para essa finalidade. Causa preocupação o fato de o legislador não prever quórum especial da maioria absoluta dos condôminos para aprovação destas normas e suas alterações.
Apesar do acerto em prever que as normas complementares sobre assembleias com suporte eletrônico integrem o regimento interno, cuja natureza é de norma complementar à convenção de condomínio, composto de normas de procedimento. Porém, o quórum da maioria simples representa o risco de instabilidade nas normas, que podem ser facilmente alteradas por pequeno grupo de condôminos, muitas vezes em detrimento ao interesse da maioria dos condôminos.
Por fim, o parágrafo 6ª autoriza que os documentos pertinentes à ordem do dia sejam disponibilizados de forma física ou eletrônica aos participantes. Atenção: sendo a assembleia virtual ou híbrida, a administração deve assegurar que todos os condôminos recebam a documentação física pertinente à ordem do antes da instauração da assembleia, garantindo a todos o amplo acesso às informações que irão embasar os debates.
Em linhas gerais, o legislador acertou ao regulamentar aquilo que já vinha ocorrendo na prática. Acertou mais ao assegurar a todos os participantes o direito de voz e ao debate, pois a falta de regulamentação fazia com que muitos administradores transformassem assembleias gerais em meras enquetes, com votações antes mesmo da instauração da assembleia, especialmente nas matérias que exigem quórum qualificado.
Critica-se, porém, a possibilidade de sua aprovação e alteração pelo voto da maioria simples dos presentes. A nosso ver, a aprovação deveria ocorrer por maioria absoluta dos condôminos e em assembleia especialmente convocada para deliberar sobre a matéria, já assembleia geral é o órgão máximo de deliberação condominial, sendo necessária alguma cautela para alterar sua normatização.
No próximo texto, trataremos da regulamentação das assembleias permanentes.
Cuidem-se bem!